Há duas semanas, o "camarada Artemio", último líder do comitê central da milícia maoista Sendero Luminoso ainda em liberdade, foi capturado em uma selva no Peru. A prisão dá início a mais uma série de tarefas pendentes para o governo de Ollanta Humala e para as forças de segurança do país, que há 20 anos tentam acabar com a guerrilha, desde a captura do fundador Abimael Guzmán em setembro de 1992.
A prisão de Artemio, ou Florindo Flores Hala, coincidiu com a tentativa da organização peruana de retomar outra via de atuação no país: a política.
Em janeiro, o Movimento pela Anistia e os Direitos Fundamentais (Movadef) - organização formada por ex-integrantes da milícia - tentou se inscrever como partido político. Apesar de ter apresentado as assinaturas de 300 mil habitantes do país para respaldar sua inscrição, o pedido foi negado.
O curioso, no entanto, foi que dezenas de jovens do Movadef não tinham quase nenhum conhecimento sobre o que o Sendero Luminoso representou para o Peru no passado recente do país e não sabiam sequer dizer quem era Abimael Guzmán e de quais crimes ele foi acusado.
Em entrevista conedida ao Estado, o jornalista Gustavo Gorriti, principal pesquisador peruano sobre temas relacionados ao Sendero Luminoso, disse que, apesar de o grupo seguir as diretrizes políticas de Guzmán, o Movadef, por sua vez, busca atingir outros objetivos com sua entrada na política peruana.
"O movimento procura intervir na vida política legal e, em seu programa, está a solução dos problemas derivados do conflito, uma anistia e a melhora das condições carcerárias dos líderes (senderistas) que estão presos."
Para Diego García-Sayán, presidente da Corte Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH) e da comissão de alto nível para o Lugar da Memória, o diálogo na sociedade peruana sobre os episódios de violência ocorridos entre 1980 e 2000 ainda está "travado".
"Há dificuldades para atingir consensos absolutos (sobre os relatos do conflito interno)", disse García-Sayán. "É preciso um tempo para que os fatos sejam digeridos, mas há a necessidade de uma mensagem que possa prevenir que, no futuro, o terrorismo volte a ocorrer."
Futuro. A prisão de Artemio levantou dúvidas em relação ao futuro do Sendero Luminoso no país. O guerrilheiro era o líder da milícia no Vale Huallaga.
"Ele esteve nessa região entre 1982 e 1983. Ascendeu rápido dentro da guerrilha. Quando ocorreu o ataque contra a delegacia de Uchiza, em março de 1989 (que deixou dez policiais mortos), ele já era o responsável na zona e, acho, membro do Comitê Central do Sendero", disse Gorriti.
A outra facção remanescente do Sendero Luminoso atua no Vale do Rio Apurimac-Ene (VRAE) e é liderada por Victor Quispe Palomino, conhecido como "camarada José", que se movimenta em setores isolados das regiões de Ayacucho, Huancavelica e Junín - e também em zonas de produção de folhas de coca e cocaína.
O grupo de José possui maior poder de fogo do que tinha Artemio em Huallaga porque, nos últimos anos, os guerrilheiros de sua facção se apoderaram de armas e equipamentos de comunicação obtidos em emboscadas contra as Forças Armadas.
Para o ex-comandante-geral do Exército peruano Otto Guibovich, há três cenários após a captura de Artemio. Segundo ele, cada um deles implica em ações do governo não só no âmbito militar ou policial. Comandante em Tingo Maria em 1991, a área de atuação de Artemio, Guibovich disse que um desses cenários pode implicar que "o narcotráfico se apodere dos aliados de Artemio e retome o domínio no Huallaga", assumindo o controle das tarefas ilegais. Outra possibilidade é que José, do VRAE, tente obter o domínio do Huallaga. "Com tantas pessoas sem direção nem controle, ele pode enviar alguém para assumir ", disse Guibovich.
O ex-militar descreve o Sendero Luminoso do VRAE como possuidor de um forte componente ideológico, diferente do grupo liderado por Artemio e Guzmán. Esses militantes têm 70 jovens que compõem a força principal do grupo e também usam crianças na luta armada.
A terceira possibilidade é que o governo peruano aproveite o êxito da captura de Artemio e mantenha a pressão policial e militar no Huallaga, tentando consolidar um projeto de desenvolvimento na região, onde não há a presença do Estado. "Após a queda de Guzmán, esse mesmo erro foi cometido: o de achar que o trabalho havia acabado", disse Guibovich.
Diario Estado de Sao Paolo
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